segunda-feira, 19 de março de 2012

Exposição "Guerra e Paz - Portinari"

18 de Março de 2012
Local: Memorial da América Latina
De 07 de fevereiro a 21 de abril
Entrada Franca


"Entre o cafezal e o sonho
A mão está sempre compondo
O garoto pinta uma estrela dourada
Na parede da capela,
E nada mais resiste à mão pintora"

Apresentada pelo Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Cultura, BNDES, Brazilian Finance and Real State, Fundação Memorial da América Latina e pelo Projeto Portinari, a exposição traz de volta ao Brasil os dois colossais painéis, pintados por Cândido, dados de presente à ONU há mais de 50 anos atrás, e ainda traz outras de suas obras e detalhes sobre vida e arte do pintor.


"A mão cresce 
e pinta o que não é para ser pintado, mas sofrido
A mão está sempre compondo
Módul-murmurando
o que escapou à fadiga da criação
e revê ensaios de forma
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-me-quer
no baú dos vencidos"

No "Salão de Atos Tiradentes", onde a visitação se inicia, estão expostos os dois grandes murais.

Do lado esquerdo, na entrada, está o painel "Paz"



Encantador com suas cores em tons claros e desenhos suaves, entre figuras descontraídas e cavalos alvos, um forte espírito de fraternidade, festividade e alegria representado por seus corais, por suas danças e folclore, nas mães com seus filhos, pelos trabalhadores exercendo suas tarefas em comunhão sem maiores preocupações e pelas crianças brincando em gangorras e balanços. Curioso que todos os rostos representados aqui tem seus olhos vívidos e expressões bem delineadas (um contraste com a outra metade do qual falarei a seguir).


"A mão cresce mais e faz
do mundo como-se-repete
o mundo que telequeremos
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível"

Do lado direito está "Guerra"

Aqui não encontramos necessariamente uma guerra, mas as consequências dela e sua reação sobre os seres humanos. Desta forma presenciamos mães segurando os corpos sem vida de seus seus filhos dentre outras figuras em comoção e tristeza: um órfão tapando seu rosto e deixando suas partes íntimas à mostra, mães abraçando seus filhos com medo e em despedida, pessoas com seus braços levantados clamando por Deus (ou questionando a ele), além da presença de feras como tigres e lobos e a presença de cavalos assustadores blindados com seus respectivos cavaleiros (tão sombrios quanto os animais) que poderiam facilmente ser associados aos cavaleiros do apocalipse (afinal, na bílbia,os cavaleiros representam Peste, Guerra, Fome e Morte).

O fato contrastante que mencionei antes é que aqui poucos rostos são vistos, uma vez que grande parte das figuras estão de costas, curvadas com os cabelos cobrindo a face ou escondendo os rostos com suas mãos de forma que evitem a dor, o horror e o desespero. As figuras cujos rostos são visíveis tem uma expressão sombria e vazia e as outras dirigem suas faces para o céu, tudo isso retratado em tons pesados de azul escuro e preto.

As telas comunicam-se entre si através do estilo inigualável de Portinari, é visível que são duas partes de uma mesma obra, porém cada figura é ímpar dentro de seu contexto, impossível imagina uma das imagens de "Guerra" no painel "Paz" sem soar destoante, e vice-e-versa, e as imagens são tão fortes que é impossível não reagir e se sentir tocado tamanha grandeza da arte representada (grandeza em tamanho, 14 metros cada mural, em técnica, em mensagem, em sensibilidade)...

"Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica,
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento domicílio do homem".


Ao centro um vídeo exibe fotos de Portinari durante a produção de sua obra e ao fundo ouvimos primeiramente o poesia "A Mão" de Carlos Drummond de Andrade escrita em homenagem à Cândido e declamado pelo próprio poeta. Na sequência ouvimos Milton Nascimento declamar "Guerra e Paz" poema feito para a exposição exaltando cada detalhe das pinturas.

"Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicas, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil".


Na Biblioteca Latino Americana encontra-se uma projeção com recursos audiovisuais modernos de 5 mil obras em ordem cronológica, porém o que fascina é que além obras raras, vemos como cada uma foi concebida, desde os rascunhos a lápis até sua construção final (ou à sua desconstrução, já que muitas foram de rascunhos fiéis a realidade e foram tomando formas mais representativas do que realistas). Vemos isso ao som de músicas que nos remetem a trabalho no campo e/ou ao sertão, também temos nesta ala parte da biografia do homenageado impressa em murais na parede.



"Entre a mão e o ofício eis que a mão decide;
todos os meninos, ainda os mais desgraçados,
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica
a mão excedente
em seu poder de encantação".




Por fim, na Galeria Marta Traba, estão expostos os estudos preparatórios para os painéis, desde ensaios em cartolinas feitos com grafite, giz de cera e sanguínea até pinturas mais complexas cujas formas foram impressas de maneiras idênticas no mural. Estão também expostos os materiais usados no trabalho: os pincéis que passaram pelas mãos de Portinari, os seus diminutos óculos, seu tinteiro e um caderninho minúsculo de anotações onde está as observações do artista



Encontramos também nesta parte da exposição centenas de documentos históricos, recortes de jornais e cartas que acompanharam a trajetória da obra que deu nome à exposição, desde sua concepção, seu processo de criação, sua doação, a reação do público e da crítica sobre a obra e sobre a doação delas. Duas cartas me chamaram a atenção: a primeira, um pedido de Jayme de Barros, dizendo que os murais em branco estavam disponíveis e perguntando de forma tão informal e descontraída se o amigo estaria interessado em pintá-los, e a segunda é uma carta da ONU pedindo instruções sobre como montar os painéis (os dois foram divididos em várias partes para seu transporte, o que causou indignação em alguns artistas nacionais).


"Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado
O que era dor é flor
Conhecimento plástico do mundo
e por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais".

Um artista notável! Dizer que exposição é imperdível é chover no molhado, oportunidades assim são a prova e o motivo do porquê o nome "Cândido Portinari" ter se tornado imortal e a iniciativa e excelente trabalho dos realizadores é digno de aplausos.


"A mão infinita
A mão-de-olhos-azuis de Cândido Portinari"

(A Mão, Carlos Drummond de Andrade)

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